segunda-feira, 5 de setembro de 2011 | By: Heloisa

Ayla, a filha das cavernas

Vim conhecer a primeira parte da série Os filhos da Terra através do Fábio (aka Nappa_), que adquiriu há uns meses um exemplar da editora BestBolso. Logo na primeira página, a editora nos informa duas coisas: a primeira é que o livro foi inicialmente publicado em 1980, e a segunda é que se trata basicamente de um romance pré-histórico.



E foi justamente isso o que o tornou tão inovador. A Autora, Jean M. Auel, sabia que estava pisando em terreno pouco explorado pela literatura de ficção quando decidiu escrever um romance ambientado em uma época tão distante. Então o que fez ela? Pesquisou exaustivamente, tanto a ponto de arrancar elogios da comunidade arqueológica da época, por sua fidelidade ao retratar, como pano de fundo à própria saga da sua heroína, a história da humanidade.

As primeiras páginas nos apresentam uma menina assustada, que acabou de ver sua mãe ser engolida pela terra num horrível terremoto, provavelmente em algum lugar da Europa. A criança passa a vagar sem rumo, tentando sobreviver ao frio, à fome e aos predadores, quando, já ferida e exausta, entrega-se ao cansaço às margens de um pequeno rio. A sorte vem complementar-se ao instinto de sobrevivência que a manteve viva até então, quando é resgatada pela curandeira de um estranho grupo de humanos que, também afetados pela catástrofe que a deixou órfã, explora a terra em busca de um novo lar.

A garota é salva, mas ainda não é aceita. Perplexa, depara-se com a imensidão de diferenças existentes entre ela e seus salvadores, a começar pela linguagem, que quase não incorpora sons. De fato, esse povo parece incapaz até mesmo de pronunciar seu nome: Ayla. A menina não poderia saber, mas havia sido salva justamente por um dos últimos grupos de neanderthais, a raça que povoou o planeta antes do surgimento de sua espécie. Apesar disso, deixá-los para procurar a sua gente ainda não é uma opção, e Ayla luta dia após dia para adaptar-se e assim ser finalmente aceita pelo clã.



Ayla: a filha das cavernas, ao meu ver é, mais do que todo o resto, uma história sobre aceitação. Página após página, vemos a pequena Ayla crescer aprendendo que os sons que só ela é capaz de produzir com a boca são inadequados, que ela não deve correr, não deve chorar, não deve sorrir; assistimos dia após dia a marginalização da menina pelo clã, simplesmente por ser diferente. A noção que alguns membros do clã têm de que tudo o que faz parte dela é errado fica de tal forma enraizada na mente de Ayla, que um dia, quando finalmente tem um vislumbre de sua própria imagem nas águas mansas de um rio próximo à caverna, Ayla se acha de tal forma horrenda que mesmo ao deparar-se finalmente com a sua própria gente demora a aceitar que é absolutamente normal.

Mas não foi esse aspecto que fez a autora merecer o reconhecimento dos acadêmicos da área. Além de retratar em detalhes o desenvolvimento de Ayla, Jean Auel, graças às suas pesquisas, retrata o provável padrão de comportamento que teriam aqueles povos primitivos. A leitura, sob esse aspecto, torna-se ainda mais interessante, à medida em que percebemos nuances da suposta vida em sociedade da época, que guardam estreita correlação com o que sabemos ter sido a regra há  pouco mais de um século: o conceito da superioridade masculina, e a divisão nítida de tarefas entre o macho provedor e a fêmea, mãe e dona de casa.   É de fato um dos aspectos mais marcantes da obra, o de que apesar do leitor ter a todo o tempo consciência de que tudo teria se passado num tempo anterior à escrita, é inevitável traçar comparações com o que se experimenta atualmente, em maior ou menor grau, em diversos países do mundo. À medida que se vai avançando pela obra, têm-se a sensação de que, apesar de todas as diferenças entre o clã e Ayla, ou entre o clã e entre nós mesmos, diversos costumes e pensamentos permaneceram sendo a regra por muito tempo.



Além da caracterização do comportamento dos personagens e da reconstituição dos costumes, as extensas pesquisas da Autora são prontamente percebidas nas descrições minuciosas que é característica da obra. No livro, são descritos em detalhes os neanderthais, a própria Ayla, o território do clã e a fauna local, mas é a flora que realmente se destaca quanto à descrição de suas minúcias. Na verdade, há momentos em que esse aspecto chega até a ser um pouco cansativo, já que em praticamente todos os eventuais passeios de Ayla ela encontrará alguma planta, que terá alguma propriedade medicinal ou culinária, e junto à informação básica da descoberta do vegetal e de sua utilização primária, seguirá inevitavelmente uma série de explicações sobre em que terrenos crescia; em que época do ano; qual o tamanho médio e formato das folhas e flores. No decorrer da leitura, entendemos que provavelmente esse tratamento diferenciado à vegetação deve ter sido dado devido à sua importância para a própria Ayla, mas ao mesmo tempo fica a sensação de que talvez a leitura transcorresse mais suavemente se as descrições fossem menos minuciosas.



Ayla foi o meu livro de cabeceira por um tempo, e embora não pertença ao meu gênero preferido - a fantasia - agradou bastante, em parte pela curiosidade natural que a autora consegue despertar pelo desenvolvimento de sua protagonista, em parte pelo grau de semelhança entre os costumes neanderthais e os que ainda são atuais. De todos os livros da série Os filhos da Terra, apenas o primeiro ganhou uma versão cinematográfica de 98 minutos de duração, feita em 1986, e estrelada por Daryl Hannah, no papel de Ayla.




1 comentários:

Nappa_ disse...

É tou aguardando o tempo certo para começar a ler o Vale dos Cavalos. A saga pré-histórica continua. Na verdade os rumores dizem que não é melhor que o primeiro, mas isso só vou saber depois de ler.

Postar um comentário