Na primeira obra, somos apresentados a Ayla, uma cro-magnon que é resgatada por um dos últimos clãs de neanderthais e, para sobreviver, não tem outra saída a não ser adaptar-se a suas regras e modo de vida. Vemos então como a menina é obrigada a desaprender a sua própria língua e substituí-la pela complicada linguagem gestual utilizada pelos clãs, adotar e venerar a religião baseada em espíritos masculinos de animais, os totens, e, principalmente, aceitar a inexplicável superioridade masculina, ignorando todos os seus instintos.
Sob a proteção da curandeira e do Xamã do clã, Iza e Creb, o Mog-Ur, Ayla recebe uma espécie de batismo dos clãs, no qual foi formalmente reconhecida e posta sob a proteção do espírito do Grande Leão da Caverna. Instruída por Iza, a menina aprende a cozinhar, a tecer e a identificar e utilizar uma série de ervas eficazes no tratamento de diversas doenças que porventura venham a acometer algum membro do clã. Guiada por seus instintos e curiosidade naturais, a criança comete o sacrilégio de aprender a caçar, tornando-se a melhor dentre todos os caçadores, e é severamente punida por ousar fazer algo proibido às mulheres. Seu comportamento desperta a ira do futuro líder do Clã, que tão logo chega ao poder, lhe dá o pior dos castigos: a expulsão.
Ayla e o espírito do Grande Leão da Caverna |
Paralelamente à sobrevivência de Ayla, nessa parte da saga nos são introduzidos os chamados "Outros": através dos irmãos Jondalar e Thonolan, Jean Auel começa a apresentar as pessoas da mesma espécie de Ayla, em todas as suas peculiaridades, e, em especial, suas crenças. Afinal, mais do que as diferenças físicas e a capacidade de fala e adaptação, o elemento que mais caracteriza essa espécie como uma evolução talvez seja a concepção do sagrado feminino representado pela Mãe, e a consequente elevação da mulher ao mesmo patamar que o homem.
Diferente do primeiro livro, nesse não há a mesma intensidade de apresentação de novas pessoas e costumes, ao menos não sob o ponto de vista de Ayla. Aqui, a função de introdução do universo fica quase toda por conta de Jondalar e Thonolan, em sua viagem. Ainda assim, tanto nas partes em que acompanhamos os dois irmãos, como naquelas em que é narrado o dia-a-dia de Ayla, Jean Auel não falha em surpreender o leitor, através de situações inusitadas até mesmo para os personagens.
Talvez seja esse o motivo - a sensação de quase não haver mais novidades - pelo qual a maior parte das pessoas considere que houve uma queda de qualidade entre os dois primeiros livros, queda essa que supostamente torna-se vertiginosa a cada volume. Eu acho bem compreensível que hajam opiniões nesse sentido, uma vez que na primeira parte tudo é novo e empolgante, e cada novo acontecimento gera ou simpatia pela personagem principal, ou indignação pelos sofrimentos a que é sujeitada; enquanto que a sua continuação parece muito com um romance de cotidiano. No entanto, não entendo que esse aspecto, isolado, seja um fator de desvalorização, já que constitui simplesmente um outro estilo de narrativa.
Sobre esse aspecto, há quem ache esse tipo de livro chato, e eu só imagino que seja um desafio ao escritor tornar um livro com essa estrutura tão excitante quanto qualquer clássico de fantasia. Em o Vale dos Cavalos, o intercalamento de pontos de vista demonstrados (ora o de Ayla, ora o de Jondalar) cumpre bem essa função, já que, por vezes, o leitor depara-se com quebras de narrativa em momentos cruciais da trama, recurso esse, aliás, utilizado em outras obras.
Apesar disso, o ritmo narrativo ainda parece ser um pouco lento em comparação com o primeiro, fazendo com que a leitura se arraste por um tantinho mais de tempo. Se tivesse que dar uma nota ao livro, provavelmente oscilaria em torno do 8, de forma que a leitura é agradável e o fim deixa uma curiosidade pelo próximo livro, mas não desperta a avidez de terminar o livro que outros tantos autores conseguiram imprimir em suas obras.